domingo, 20 de setembro de 2009

O Cardápio

I

Noite do dia 12 de maio, terça-feira. O Palmeiras disputa contra a equipe do Sport Clube do Recife uma vaga nas quartas de finais da Copa Libertadores 2009. A partida é no Estádio Pernambucano da Ilha do Retiro, que está lotado. No tempo normal o Sport venceu por 1 x 0, mesmo resultado que o time do Palmeiras fez a seu favor uma semana antes no Palestra Itália. Sem prorrogação, o jogo vai para os pênaltis. Brilha a figura de “São Marcos”, o impetuoso goleiro da equipe paulista que defendeu três cobranças do Leão.

Na manhã seguinte não se falava noutro assunto na cantina. Entre os torcedores do Palmeiras, é claro. Acreditavam que os dezoito pôsteres da esquadra alviverde expostos na parede à direita poderiam ser acrescidos de mais um: outra foto oficial do time em pose de campeão do mais importante certame das Américas.

Agora, sim, o clima remetia às casas onde é vital o diálogo cruzado entre os presentes com a cacofonia artística da velha tarantella.

Em meio ao folguedo, um homem de 30 anos vestindo terno preto, camisa branca e gravata vermelha, chega sozinho, senta-se, consulta o cardápio e pede bife, ovo, arroz e feijão.

– E para beber? – pergunta Ana Paula Seriacopi que, desde então, percorre sorridente as mesas da cantina.
– Hum... um refrigerante.

Paulinha. Foi assim que um senhor de terceira idade – quarta-feira não lhe é a data costumeira de ir à cantina, preferia às sextas –, camisa esporte, calça jeans e sapato de couro se referiu a ela para pedir picadinho, ovo, arroz e feijão, e um suco de laranja sem gelo. Na mesa dele também saíram outro picadinho, um contra-filé, fritas, arroz e feijão, e um filé de frango grelhado, ovo, arroz e feijão; mais um suco de laranja, uma coca-cola de 600 ml e uma H2O.

Do outro lado um casal, não de namorados, mas de amigos, pediu filés de peixe e uma Tubaína.

Ana Paula não anotava os pedidos. Ouvia-os e tratava logo de transmiti-los à cozinha, enquanto Dona Sônia e o novo garçom se revezavam no balcão escrevendo num bloco de papel, com caneta esferográfica azul, quais eram os pratos, as bebidas e as sobremesas a servir. Afinal, aquela seria a referência para a cozinha e também na hora de acertar as contas.

Nem mal certificavam-se de qual era o pedido, Ana Paula já saía da cozinha com três saladas: uma para o homem de terno preto e gravata vermelha; as outras duas para o casal, não de namorados, mas de amigos. Assim que as deixou com os respectivos voltou com mais duas destinadas à mesa do senhor de terceira idade que a tratara por Paulinha e num piscar de olhos trouxe por fim a outra salada que faltava.

– E o Miguel, Paula? Você tem notícia dele? – perguntou um dos convivas do grupo que pediu dois picadinhos, um contra-filé e um filé de frango grelhado.
– Tá bem, tá bem. Falei com ele esses dias, mandou um alô para todos – respondeu com a mesma simpatia e agilidade que recebia mais três clientes.

Desconsiderando o frio não-presente, pois o calor ainda abrasava, tudo estava exatamente dentro do seu tempo. E registrava-se algumas mudanças.

Além do novo membro da equipe, a cantina parecia conviver com uma nova atmosfera. A música ambiente, por exemplo, oriunda de sintonia à emissora especializada em estilo sertanejo, estava mais alta do que o costume.

Com isso, as pessoas tinham de aumentar o tom dos diálogos; as mulheres com seus timbres agudos marcavam o ritmo das risadas; e os homens, com suas vozes graves e nada contidas, se destacavam fazendo do assunto “futebol” o tema mais fácil de ser apreendido durante aquela refeição.

Daí a algazarra no lugar – digna de finais de semana –, a mesma que encontrou o homem de terno preto e gravata vermelha quando chegou e sentou-se sozinho. Ele, nesse exato momento, experimentava a salada. Esta que, por sua vez, é muito simples. Algumas folhas de alface tradicional (não o americano), duas ou três fatias de tomate, uma ou duas de pepino e, às vezes, uma pequena porção de cenoura ralada. É a entrada e ninguém a recusou. Vem num pratinho de plástico ou numa bandejinha de inox. Os condimentos, azeite e outras especiarias ficam sobre a mesa.

Os sucos de laranja e de limão são naturais e servidos num copo de 180 ml longo, fino e pequeno, acompanha um canudo descartável lacrado. Açúcar e gelo são opcionais. Para aqueles que consomem bastante líquido durante as refeições tudo indica que a melhor pedida seja o refrigerante conhecido por Tubaína e fabricado nos sabores limão, laranja, maçã, guaraná e uva. Engarrafada em recipientes de 600 ml, a bebida é mais barata do que o suco e tem ótima aceitação.

Fregueses recém-chegados discutiam o cardápio. Ana Paula preparava-se para atendê-los. Duas mulheres vestidas como secretárias falavam mal de outra mulher da empresa. Concomitante, acabaram de almoçar e pediram os doces.

– Eu quero mousse de maracujá – disse a moça loira com óculos de lentes retangulares e hastes negras.
– Pra mim também – concordou a morena, rechonchuda, alegre, de cabelos negros, longos e encaracolados nas pontas.

Assim que retornou com as duas embalagens plásticas em forma de círculo contendo o cremoso mousse do exótico e relaxante fruto tropical, a sorridente filha do Sr. Dori apenas deu uma piscadela para o novo garçom indicando-lhe os novos fregueses que estavam na cantina e que deveriam ser atendidos. Uma vez decididos, olhavam para o balcão. Sendo assim, lá se foi o rapagão.

Desta vez, dois jovens com agasalhos esportivos, de cabelos longos e despenteados. Mais uma vez: bife, ovo, arroz e feijão. Dois! Com fritas, uma Tubaína e dois copos. O novo garçom esperou, ouviu, repetiu o pedido e virou-se para a cozinha. Andou dois passos e parou. Inseguro, retornou e confirmou novamente os dois bifes, ovos, arroz e feijão, com fritas e uma Tubaína. Só então passou a encomenda para a Dona Sônia.

Ela olhou para a mesa e, com a ternura de sempre, cumprimentou os rapazes. Eram de casa.

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